O pano da discórdia: muito além de aparências
- By : Redação
- Category : Comunidade, Cultura, Política
Recentemente, um episódio trouxe várias questões que estavam adormecidas sobre apropriação cultural. Uma jovem branca com câncer estava numa estação de metrô e, segundo ela, foi abordada por uma mulher negra por estar usando turbante. Após a experiência, a jovem paranaense, Thauane Cordeiro, desabafou no Facebook questionando o conceito de apropriação cultural, o que já rendeu mais de 30 mil compartilhamentos.
Para falarmos do conceito de apropriação cultural, é preciso primeiro entender sobre sociedade e grupos sociais. É preciso entender que se trata de estrutura e não individualidades. É preciso entender que não se trata do gosto e liberdade que você tem ou que não possa existir dreads loiros ou mulheres brancas de turbante. A questão do uso do turbante é apenas a ponta desse iceberg.
Quando se fala de apropriação cultural, trata-se do processo de construção identitária. Ou seja, trata-se de expressar a necessidade da valorização e lembrança dos elementos simbólicos da cultura e religiosidade africana ou afro-brasileira. Falar da apropriação cultural é lembrar historicamente que esta cultura afro-brasileira passou por um processo institucionalizado de embranquecimento e apagamento. Os negros escravizados foram obrigados a esquecer sua própria cultura ancestral e aceitar a cultura europeia imposta, como por exemplo o catolicismo.
Falar da apropriação cultural é observar a história se repetindo, é observar a indústria da moda inviabilizando os elementos de significado, é observar uma identidade novamente sendo apagada, é observar a riquíssima cultura afro-brasileira não ser valorizada. O processo de branquinização comercial dos elementos culturais é absorvido com naturalidade pela sociedade, principalmente pelos privilegiados e por aqueles que desconhecem os fatos históricos. A sensação é que os poucos elementos de significado ganham mais valor quando os brancos compram, usam, praticam, executam ou consomem.
Quando uma mulher branca usa tranças ou dreads, ela vai ser capa de revista ou tendência de moda. Mas quando uma negra usa as mesmas coisas, ela vai ser olhada diferente. Tenho certeza que alguns, ou muitos, ao verem um negro usando roupas e objetos característicos da cultura afro, olham com diferença e reprovação. Isso quando não associam a “macumba” ou outros rituais de origem africana.
Dois bons exemplos midiáticos e de comparação foi o episódio de uma jovem branca e de tranças loiras no festival Lollapalooza 2016. Ela teve sua foto postada em um perfil do festival e foi incluída na lista das pessoas mais estilosas do evento. Já em 2015, uma médica integrante do programa Mais Médicos ouviu da secretária de Saúde de Santa Helena (PR) que seu cabelo “exalava um cheiro forte” e que os pacientes estavam acostumados com outro “padrão” de médico. Ela é negra possui dreads no cabelo.
A moça de Curitiba conseguiu fazer com que a mídia ouvisse o seu desabafo. E quanto aos diversos casos de racismo escrachado e velado que os negros sofrem diariamente no metrô, no ônibus, no trabalhado, na escola, na universidade? E quanto a juventude negra que é diariamente exterminada por policias? Cadê o protagonismo? Por que estas pessoas não são ouvidas ou porque estes casos não viralizam?
O episódio de Thauane, foi a oportunidade perfeita para que a mídia racista e a branquitude chacoteassem, anulassem, rebaixassem e deturpassem as pautas do movimento negro. Foi a oportunidade para colocar as mulheres negras como loucas e vilãs da sociedade.
A discussão não deve ser banalizada por um caso isolado, que nem sabemos se realmente ocorreu ou se foi relatado como realmente aconteceu. Encerro dizendo que é preciso sair da zona de conforto e problematizar seus privilégios. Se não nos colocamos no lugar do outro, não damos abertura para aprender com o diferente.
Por: Bianca Martins
Foto: Reprodução/Facebook
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