Umbanda: marginalizada em seu próprio país
- By : Redação
- Category : Comunidade, Cultura
Preconceito e falta de representatividade acompanham a religião que nasceu há 108 anos no Brasil
A história do Brasil é marcada por uma grande diversidade cultural. Vários grupos étnicos e sociais participaram da formação do país e ofereceram diferentes contribuições culturais: povos indígenas, portugueses, africanos, holandeses, ciganos, entre outros. As riquezas trazidas por essas pessoas foram transformadas no contato uma com as outras e com as culturas já aqui presentes.
Foi a partir desse cenário, culturalmente plural e diverso, que nasceu a Umbanda, uma religião originalmente brasileira que reúne várias doutrinas, vindas de outras religiões, em prol da fraternidade, da caridade e do respeito ao próximo. A Umbanda incorpora conhecimentos universais, pertencentes a muitas outras crenças, mas tem suas raízes na cultura africana, nos costumes indígenas tupiniquins e no sincretismo católico.
Apesar dos mais de 100 anos de existência e de ser bastante receptiva com seguidores e agregar os princípios de várias religiões, a Umbanda ainda não é aceita pela sociedade e essa ausência de aceitação parte não apenas de outros religiosos, mas também daqueles que não seguem religiões ou não têm crenças.
O preconceito, as piadas de cunho pejorativo e as confusões em torno da religião são frutos da falta de informação. Muito se associa negativamente, por exemplo, a Umbanda à macumba e distorcem elementos importantes da religião como Exu, Pomba Gira e Erês. Essa falta de informação nasce no desinteresse das pessoas em pesquisar sobre aquilo que é diferente das suas crenças.
De acordo com Gildener de Sousa, dirigente da casa A Tenda do Caboclo, a essência da religião consiste na sua abertura à diversidade e à agregação de tudo aquilo que pode fornecer evolução ao ser humano. “A Umbanda tem essa capacidade de aceitar tudo, aceitar todas as formas, todos os jeitos”, afirmou ele, frisando no “respeito ao ser humano”. “[A Umbanda] Não quer saber da sua crença, da sua condição social, sua orientação sexual, quer saber de você como pessoa”, conta. “O que você tem para contribuir para a comunidade? O que você precisa descobrir para ser melhor, ser mais feliz?”, questiona o dirigente.
O preconceito sempre foi um problema. Mesmo hoje, depois de tantos anos de sua consolidação, a comunidade umbandista ainda sofre com a intolerância religiosa. Já é difícil aceitar que nos dias atuais algumas pessoas sejam discriminadas pelas suas crenças, mas é mais complicado ainda constatar que essas pessoas são muitas vezes caladas e excluídas em situações em que, na verdade, deveriam ser representadas.
A política tem um papel muito importante no processo de inclusão e representação de comunidades como esta, principalmente no Brasil, um Estado laico que estipula em sua Constituição que ninguém será privado de direitos por motivos de crença religiosa (art. 5, inc. VII).
Infelizmente, a política no Brasil é uma problemática, principalmente quando se fala em representação de minorias. Essas minorias, que são desfavorecidas em praticamente todos os processos políticos, acabam ficando à mercê de muitos líderes religiosos intolerantes que chegam ao poder. Hoje, na política brasileira, o espaço destinado à representação de todos os povos é dominado por um grupo seleto e intolerante, e, por isso, aqueles que deveriam garantir que os direitos de todos sejam respeitados e que toda pessoa se sinta representada em todos os aspectos são os mesmos que excluem e discriminam as minorias.
O cenário em Palmas não é muito diferente, pouco se tem feito em prol da aceitação e representação das crenças afro-brasileiras. Apesar dos vários esforços da prefeitura em contemplar a comunidade religiosa em vários aspectos, tais ações englobam apenas as religiões tradicionais.
O já consolidado Capital da Fé, evento que aconteceu nos últimos três anos durante o período de carnaval em Palmas, é um exemplo da falta de comprometimento da prefeitura para com o seu papel de inclusão de todos os povos em seus eventos. Com mais de 20 atrações cristãs, o circuito de carnaval palmense é a aposta do prefeito Carlos Amastha para movimentar o turismo de eventos na capital.
Apesar da intenção do prefeito de fazer com que a cidade seja reconhecida nacionalmente pelo Capital da Fé, muitas comunidades não são representadas neste evento e acreditam que isso é apenas um reflexo da maneira como a sociedade e o governo olham para as minorias. Mãe Iza de Oiá, dirigente da casa Ilé Axê Iji Oiá, critica o evento: “Acho um desrespeito, não só com a nossa religião, mas com o povo”, afirma ela, dizendo também que o carnaval deveria ser uma festa “para todos”. “Se a intenção é fazer festa religiosa, que faça, mas não faça só com as religiões cristãs”, reforça. “Sou totalmente contra, não gostei mesmo”.
Em 2016, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) realizou uma pesquisa de campo junto às Casas de Religião de Matriz Africana da capital tocantinense. A pesquisa foi proposta pelo Instituto durante o I Encontro do Iphan e Casas de Religião de Matriz Africana, que contou com a presença de representantes de 30 casas. De acordo com os representantes, a maior necessidade da classe é ter o apoio do Instituto para a regularização de suas casas, pois não contam com o apoio efetivo do Estado.
Palmas, diferente do que se imagina, conta com muitas casas de religiões de origem afro-brasileiras; são mais de 70, segundo a pesquisa do Iphan. Gildener de Souza comenta que essa invisibilidade é comum para quem tem a Umbanda como religião. “Se você perguntar pra um umbandista qual é religião dele, ele talvez vai dizer que é espírita ou católico ou não tem religião”, afirma. “As pessoas têm medo do preconceito, têm medo de divulgar nas redes sociais, têm medo do vizinho começar a perseguir… Então, você se submete a isso”, completa Gildener.
A invisibilidade da Umbanda é preocupante, principalmente porque ela parte da dificuldade de aceitação e do preconceito que a acompanha há muito tempo. Uma comunidade que carrega fundamentos e tradições tão antigas não deve se esconder assim, principalmente se motivada pelo preconceito gerado por falta de conhecimento do que é esta manifestação religiosa.
Por: Bárbara Aguiar e Luiz Filho
Foto Destaque: Bianca Martins
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